sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Quatro Características Marcantes da Igreja Primitiva



A igreja primitiva possuía quatro características marcantes, que dificilmente são encontradas nas igrejas modernas, a não ser em algumas igrejas nos lares. A igreja do Senhor Jesus Cristo, como organismo espiritual, tinha as seguintes características principais:


  1. Sempre manifestava em seu estilo de vida, a autoridade e a liderança de Jesus Cristo, opondo-se à liderança humana. Jesus Cristo é o centro e a autoridade única na igreja;
  2. Ela sempre permitia e encorajava a participação de cada membro nas reuniões. Cada pessoa era um membro do Corpo, participava ativamente nas reuniões da igreja; cada crente era um sacerdote real. Cada crente edificava a igreja, contribuindo com seus dons naturais e espirituais (veja I Coríntios 14.26-27);
  3. A igreja no primeiro século vivia, na prática, a teologia expressa no Novo Testamento.
  4. Ela refletia o amor e relacionamento que existem na Trindade Divina.

A Hierarquia é uma coisa estranha na igreja. Uma aberração. Ela foi copiada dos romanos e inserida na igreja, no quarto século. Já na segunda metade do Século II, percebe-se, pelas cartas patrícias, as influências da civilização Greco-Romana na organização da igreja. A igreja tem somente um cabeça - Jesus Cristo. Os homens e mulheres são membros do Corpo. E todos os membros recebem ordens diretas da cabeça (cérebro), por meio do sistema nervoso. Em um corpo, nenhum membro manda em outro. Na igreja do Senhor Jesus Cristo, ele é o cabeça; os cristãos são membros que recebem ordens dele, por meio do seu "sistema nervoso", que é o Espírito Santo. Outra forte metáfora do significado da igreja é a família. Os cristãos são chamados para ser irmãos. Mesmo os irmãos mais velhos em uma família não têm autoridade sobre os mais novos. São iguais entre si, em termos de importância e de acesso ao pai. Na família de Deus, a única autoridade é Cristo. Os cristãos são todos irmãos e irmãs.

Todos os cristãos são sacerdotes reais. As funções de cada um são diferentes, relacionadas aos seus respectivos dons e talentos, mas todos ministram diretamente ao Senhor, sem intermediários (1 Timóteo 2.5).

Quanto ao aspecto participativo, o contexto de I Coríntios 14.26-33 só pode ser praticado em pequenos grupos. Uma igreja tipo auditório inviabiliza a participação de cada membro nas reuniões de adoração da igreja. A igreja institucional, com seu culto típico, é uma agressão ao "DNA" da igreja, pois impede a participação de todos. Somente em igrejas nos lares é possível a todos participarem.

O Novo Testamento nos foi dado como diretriz para a igreja em todos os tempos. A igreja de hoje não pode descartar as práticas e a vida da igreja neo-testamentária, como se fossem coisas do passado.

Na Trindade Divina há um relacionamento que se refletia na igreja primitiva e deve se refletir na igreja hoje e sempre. As três pessoas de Deus se amam e são iguais entre si em autoridade (não há hierarquia entre eles). Os irmãos também devem rejeitar a hierarquia entre si (abolir "cargos e/ou títulos eclesiásticos"), e amar uns aos outros, expressando isto em ações e palavras.

Se hoje, uma comunidade quer ser uma igreja (de verdade), precisa ter essas características.

Marcio Rocha

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A Liturgia das Reuniões da Igreja Primitiva



O que a igreja fazia em suas reuniões nos lares? Como era a programação, ou a liturgia?
Impressionantemente, não há no Novo Testamento nenhuma liturgia descrita ou indicada, nem mesmo um padrão ritualístico que possa ser imitado. Sabemos pelo livro de Atos que eles comiam juntos em suas casas e que “partiam o pão”. Além disso, sabemos que oravam e estudavam a “doutrina dos apóstolos”. Mas, não sabemos se comiam no começo das reuniões, no meio ou no fim delas, nem se o momento do estudo bíblico era antes ou depois das refeições ou das orações.

A melhor pista que temos a respeito do que acontecia nas reuniões das igrejas do primeiro século é encontrada em 1 Coríntios 14.26-33, que diz:

“Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em uma língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja. Se, porém, alguém falar em língua, devem falar dois, no máximo três, e alguém deve interpretar. Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.
Tratando-se de profetas, falem dois ou três, e os outros julguem cuidadosamente o que foi dito. Se vier uma revelação a alguém que está sentado, cale-se o primeiro. Pois vocês todos podem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos sejam instruídos e encorajados. O espírito dos profetas está sujeito aos profetas. Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz.”

Nesta passagem, dá para sabermos o que acontecia nas reuniões das igrejas bíblicas. Cada pessoa podia compartilhar, durante a reunião da igreja, um salmo (uma música), uma palavra de instrução, ou uma revelação (ou profecia). Como ainda não havia presbíteros naquela igreja à época que Paulo escreveu esta carta, ele recomendou que todos os que não eram profetas deviam julgar as profecias dadas pelos que tinham este dom, para que não ocorressem profecias falsas. Um irmão poderia dar uma palavra em uma língua estranha, desde que fosse acompanhada pela adequada interpretação. Cada um podia usar seus próprios dons nas reuniões da igreja! E todos os irmãos deveriam participar, sendo um de cada vez, com ordem, conforme a orientação do Apóstolo, “pois Deus não é Deus de confusão”.

Um quadro bem diferente do que se vê nas congeladas liturgias das igrejas chamadas de históricas, ou nas liturgias tipo “feira-livre” das igrejas ditas pentecostais.

O que acontecia primeiro? Bem, se esta passagem expressa uma liturgia da igreja primitiva, uma seqüência de ações que aconteciam de forma padronizada nas reuniões das igrejas, a liturgia era:

1. Músicas ou poesias. Cânticos eram entoados por alguns irmãos ou poemas eram declamados, enquanto os outros ouviam.
2. Pregações ou estudos bíblicos diversos. Ministrados por quaisquer irmãos que tivessem algo a compartilhar, e não só pelos presbíteros-pastores ou diáconos.
3. Profecias. Duas ou três pessoas a cada reunião, dotadas com o dom espiritual da profecia, podiam profetizar, uma após a outra. E os outros precisavam julgar o conteúdo das profecias dadas (talvez como os Bereanos faziam, auditando-as segundo as Escrituras!).
4. Línguas. Os que tinham o dom espiritual de falar outras línguas, faziam uso dele, se, e somente se, tivesse quem as interpretasse.

Antes ou depois dessas coisas, talvez fossem realizadas as refeições e as orações. Em algum momento da reunião, também ocorria o recolhimento de ofertas para os necessitados e para o sustento dos apóstolos-missionários.

Que liturgia fantástica! Uma pessoa incrédula que visitasse uma igreja que se reunisse assim, ficaria impressionada (ou escandalizada)! Ou se converteria ou odiaria de vez os cristãos.

Por outro lado, caso a passagem não expresse uma liturgia fixa, temos aí listadas apenas as suas práticas, que podiam ocorrer em ordens variadas nas reuniões. Se era assim, nenhuma reunião era igual à outra, em termos de liturgia. E mais, talvez não aconteciam todas essas práticas em todas as reuniões.

Assim, apesar de organizada, ou a igreja primitiva não tinha uma liturgia pré-fixada para suas reuniões, ou ela tinha uma liturgia bastante flexível e, principalmente, completamente participativa.

Não há uma só indicação, no Novo Testamento, da liturgia engessada como vemos nas igrejas institucionais de hoje. Essas liturgias são mais ou menos assim:

· Oração inicial – feita por uma “autoridade eclesiástica” do “clero”.
· Música – dirigida pelos “ministros de música”;
· Recolhimento de ofertas e dízimos – feito geralmente pelos diáconos;
· Oração de consagração pelas ofertas e dízimos – feita por autoridades da igreja;
· Pregação do sacerdote ou pastor;
· Apelo;
· Ceia do Senhor (em alguns dias), cujos elementos (pão e vinho) são primeiro consagrados por presbíteros e depois distribuídos também por eles. Nas igrejas católicas, a distorção neste ponto é ainda maior.
· Cântico final – dirigido pelo pastor.
· Oração final (geralmente de bênção “apostólica”).

Como se chegou a este tipo de liturgia? Isto não dá para abordar neste artigo. Aliás, não preciso escrever sobre isto. Leia o livro Cristianismo Pagão de Frank Viola e você descobrirá
[1]. Mas é visível a diferença litúrgica entre as participativas e vibrantes reuniões da igreja primitiva nas casas e das seletivas e congeladas reuniões das igrejas de hoje, nos templos. Se um cristão primitivo viajasse no tempo e chegasse numa igreja de hoje, teria um ataque nervoso. Talvez, tomasse a palavra do pastor ou do padre e, aos gritos, chamasse a atenção de todos para voltar às origens, em nome de Jesus.

Somente uma pequena parte das pessoas na moderna igreja institucional atua nas suas reuniões – o “clero”, enquanto a maior parte das pessoas apenas assiste passivamente, ou recebe o “serviço”, (como os americanos do norte chamam o culto). Um modelo que minora este aspecto seletivo elitista clerical nas igrejas institucionais é o que chamam de rede ministerial. Porém, este modelo nem chega perto das reuniões da igreja primitiva. Aliás, é um modelo inspirado no Velho Testamento. Mais uma vez o odre velho!

Enfim, o modelo encontrado no Novo Testamento, o modelo bíblico de igreja, no tocante à liturgia não é o institucional; é o modelo das igrejas nos lares.


Marcio Rocha

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[1] Este livro pode ser baixado gratuitamente no site da editora restauração – www.editorarestauração.com.br

As reuniões da Igreja Neo-Testamentária



“Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração,” (Atos 2.46. NVI)

Geralmente esse texto é usado para defender a idéia que a igreja primitiva fazia cultos em templos, além de reunir-se nos lares. Porém, essa passagem se refere aos cristãos de Jerusalém, a primeira igreja cristã que existiu. E Jerusalém, onde tinha um templo, era a exceção e não a regra. O Templo ali referido é o Templo de Jerusalém, o único em todo o país. A versão NVI traduz adequadamente, dizendo-nos que os irmãos se reuniam no pátio do templo, pois, dentro do templo de Jerusalém, só entravam sacerdotes e levitas judeus. Os pátios do templo eram locais públicos, abertos para os judeus. Então, o que a igreja fazia ali? A igreja do Novo Testamento, em Jerusalém, composta quase que exclusivamente de judeus convertidos, ia ao templo para: (1) evangelizar e testemunhar para os judeus; (2) reunir as igrejas (das casas) da cidade para ouvir o ensino de um apóstolo. Os cristãos primitivos em Jerusalém não iam ao templo para adorar, como fazem hoje católicos e protestantes institucionais. Isto é uma diferença relevante.

A igreja em Jerusalém (e em qualquer outra cidade mencionada no Novo Testamento) não possuía local próprio de reunião. Reunia-se em locais públicos e em seus lares. Em Jerusalém, ela se aproveitava dos grandes pátios e pórticos do Templo, para fazer grandes reuniões (lembre-se de que, somente no primeiro dia da igreja em Jerusalém, houve uma conversão de três mil pessoas). Aliás, raramente se vê no Novo Testamento as igrejas de outras cidades fazendo grandes reuniões. Atos 19.9-10 menciona Paulo ensinando na escola de Tirano durante dois anos, um local cedido à igreja de Éfeso para fins de ensino. E só. O local de reunião eram os aconchegantes lares de alguns irmãos.

Muitos argumentam que a igreja no primeiro século não se reunia em templos porque era muito pobre, por isso não os podia construir, e porque era perseguida.

Mas esta explicação é incoerente com os fatos. Os cristãos de Jerusalém vendiam suas propriedades para distribuir com os irmãos necessitados (Atos 4.34-35). Propriedades? Eles tinham propriedades? Que propriedades eram essas? O verso 34 diz que eram terras e casas... eram imóveis! Alguns irmãos ali possuíam imóveis, além das casas nas quais moravam. Não era por falta de terra nem por falta de recursos que eles não construíram templos nem auditórios no primeiro século, pois eles davam o dinheiro das vendas de seus imóveis aos apóstolos! Por que os apóstolos não pegaram o dinheiro dos irmãos e construíram um grande templo para esta igreja? Primeiro porque a prioridade era outra. Era não permitir que nenhum irmão passasse necessidade.

Hoje fico a pensar nos caros imóveis de propriedade das igrejas institucionais, católicas e evangélicas. No quanto custaram aos irmãos e o quanto custam para serem mantidos. Se fossem vendidos, daria para impedir que muitos irmãos pobres de hoje passassem fome, sede e frio.

Quanto à perseguição, no primeiro século, somente a igreja em Jerusalém foi perseguida pelos judeus, a ponto de os cristãos terem que sair da cidade. Quando se estabeleceram em outros locais, o “DNA” da igreja continuou o mesmo, ou seja, nada de gastar dinheiro com construções, enquanto irmãos de nossa família passam necessidade. Não se houve falar em templos construídos pelos cristãos em nenhuma cidade mencionada no Novo Testamento.

Outro motivo que explica porque a igreja não construía templos, é que, depois de Jesus, o Templo de Jerusalém deixou de ser o “lugar de adoração” (João 4.23-24). Agora, a adoração é “em espírito e em verdade”. Não existe mais lugar especial para adorar a Deus. O próprio Senhor mudou isto. O “Santo Templo” agora é o corpo de cada cristão (1 Cor. 6.19) e o Santo dos Santos, ou o Santíssimo (como os católicos chamam) é hoje o coração de cada irmão. É nele que habita o Espírito Santo. Construir templos é uma incoerência com a doutrina cristã. Construir templos hoje em dia é colocar o vinho novo do Evangelho de Jesus Cristo no odre velho do Judaísmo vetero-testamentário. Isso estraga os dois. Penso pessoalmente que é uma desobediência ao Senhor. É como se os cristãos de hoje dissessem “Senhor, tu dissestes claramente que agora moras em nossos corações, não nos templos, mas nós vamos continuar construindo templos de pedras porque gostamos deles. Preferimos ter templos do que ser templos. Não importa as necessidades dos irmãos. Antes, importa termos templos; e quanto mais suntuosos, melhor”

Enfim, lembremos que a palavra eklesia significa “assembléia” ou “congregação”. A igreja cristã é, portanto, um templo de pedras vivas quando os irmãos estão reunidos, pois Deus habita neles.
Os locais de reunião da igreja, na Bíblia, eram primordialmente as casas dos irmãos.

Eventualmente, os cristãos se reuniam em locais maiores, para congregar as pequenas igrejas dos lares da cidade. O modelo encontrado no Novo Testamento, o modelo bíblico, no tocante aos locais de reuniões, é o modelo orgânico das igrejas nos lares.
Marcio Rocha

A Liderança na Igreja Primitiva



Não há dúvida de que os primeiros líderes cristãos foram os apóstolos. Quem eram eles? Os primeiros apóstolos foram os onze discípulos mais chegados de Jesus, e depois, Matias integrou o grupo “A12[1]”. Eles atuaram primeiro em Jerusalém e depois muitos deles saíram a pregar o Evangelho e implantar igrejas em outros países do mundo antigo. Outros se somaram aos doze, de sorte que no Novo Testamento encontramos muitas referências a outros homens como sendo também apóstolos (Paulo, Apolo, Barnabé, Tiago etc.).

Eles eram, em suas missões, tais quais os missionários de hoje. Obreiros viajantes, itinerantes, sem estarem estabelecidos em uma só cidade. Ficavam em uma cidade somente o tempo necessário para plantar algumas igrejas, nas casas de “homens de paz”. Os apóstolos eram enviados pela igreja onde se congregavam inicialmente, e plantavam igrejas aonde eram enviados.

Somente a igreja em Jerusalém e a de Antioquia (na Síria) começaram sem o trabalho de um apóstolo. Jerusalém, porque a igreja ali começou quando o Espírito Santo desceu sobre os irmãos. Antioquia, porque a igreja ali foi formada pelos que fugiram de Jerusalém e lá se estabeleceram. Paulo era da igreja de Antioquia e depois se tornou apóstolo, enviado aos gentios (não judeus), juntamente com Barnabé.

Depois que uma igreja estava iniciada, com poucos meses, o apóstolo deixava aquela cidade e partia para outra. Corinto foi a igreja que deu mais trabalho a Paulo em sua implantação e ali ele demorou dezoito meses. Só dezoito meses numa igreja complicada como aquela? Sim. E com quem ficava a igreja recém fundada? É exatamente aqui onde muitas pessoas pensam equivocadamente que as igrejas eram diferentes, nas diferentes cidades, quanto à organização, especialmente quanto à liderança, pois encontramos nas cartas neo-testamentárias que algumas igrejas tinham presbíteros (como a de Éfeso), outras eram diretamente dirigidas pelos apóstolos, e outras pelos companheiros apostólicos de Paulo (Silas, Timóteo, Tito e outros, chamados equivocadamente de “pastores”).

Porém, o fato é que todas as igrejas tinham a mesmo tipo de liderança nos momentos certos de suas vidas. Em outras palavras, todas (com exceção de Jerusalém e Antioquia) foram fundadas por apóstolos. Todas eram orientadas no início por cartas e eventuais visitas dos seus fundadores – apóstolos. Em todas elas, os presbíteros
[2] só surgiam depois de alguns anos. Os presbíteros eram homens locais, maduros, tanto na idade, quanto no Evangelho. Esses não eram sustentados pela igreja da cidade, a não ser, talvez, com raras exceções[3].

Como poderia haver anciãos em uma igreja que tinha apenas poucos meses de vida? Impossível. Aí muitos dizem: “por isso, nessas igrejas onde não havia ainda presbíteros, eram indicados pastores ‘de fora’ para liderá-la.” Errado. Nas igrejas onde ainda não havia surgido um colegiado de presbíteros, os apóstolos cuidavam diretamente das igrejas, como já dissemos, por meio de cartas e com eventuais visitas. O que você acha que as cartas apostólicas estão fazendo no Novo Testamento? Elas contém a orientação dada para certas igrejas, de seus apóstolos plantadores. Essas orientações inspiradas foram guardadas como Escritura e nos abençoam ainda hoje.
Mas e Timóteo e Tito, não eram pastores? Não. Eles eram companheiros apostólicos de Paulo. Jovens trainees (ou estagiários) de Paulo. Futuros apóstolos. Eles não eram homens locais, estabelecidos em uma cidade. Nem sequer eram maduros na idade. Eram também viajantes, itinerantes como Paulo. Aliás, não existe no Novo Testamento essa figura de pastor (ou padre) como a conhecemos hoje, um funcionário local de uma igreja, com sustento integral e autoridade eclesiástica especial sobre os membros da igreja. As cartas de Paulo a Timóteo e a Tito trataram de orientar a esses jovens futuros apóstolos sobre as visitas eventuais que eles fariam em algumas igrejas (Timóteo a Éfeso e Tito a Creta), para cuidar delas enquanto não havia surgido nelas os presbíteros-pastores. Uma típica missão apostólica.

Então, com quem ficava a igreja recém fundada? Com os próprios irmãos, com Jesus Cristo como Cabeça e Pastor Supremo, com o Espírito Santo e com a assembléia, como Corpo de Cristo, tomando as decisões. Mas o apóstolo fundador da igreja não a abandonava. Como já foi dito, ele a visitava eventualmente e escrevia cartas para orientá-la enquanto não apareciam os “anciãos” daquela cidade.

Quando surgiam os presbíteros, o pastoreio das igrejas (nas casas) de uma cidade era confiado a eles. A todos eles. Quando surgiram presbíteros em Éfeso, Paulo os chamou e orientou (Atos 20.17-22). Paulo os responsabilizou totalmente pelo pastoreio das igrejas em Éfeso. Disse ainda que jamais iria lá novamente. Note que não houve menção ou destaque de nenhum deles como “o pastor” ou “pastor-presidente” ou “presbítero-regente”. Todos os anciãos de lá eram os pastores da igreja da cidade. Um colegiado, não “um pastor”. Um colegiado sem presidente.

É importante ressaltar que pastorear é cuidar, e não mandar. É essencialmente orientar e vigiar para que as ovelhas não se percam e o inimigo não as destrua. Pastorear é essencialmente ensinar, vigiar e cuidar. Funções que não trazem em si nenhum aspecto de autoridade oficial ou cargo, que requeira obediência legal, semelhante às autoridades do mundo. Se refletirmos nas atividades de um pastor de ovelhas, usado no Novo Testamento como metáfora do trabalho dos presbíteros, entenderemos melhor o que eles são. No interior do estado do Ceará é falado o verbo “pastorar”. Obviamente, percebe-se que é uma pronúncia errada do verbo pastorear. Os meninos que vigiam carros estacionados nas ruas pedem aos donos para “pastorar” os seus veículos. Em outras palavras, eles pedem para vigiar os veículos, em troca de alguns centavos. E o que eles fazem? Nada. Só olham para que ninguém mexa ou roube os carros de seus “patrões”. A simples presença deles inibe os ladrões. Pastorear é uma função e não um cargo. E é uma função muito mais passiva do que ativa. Interessantemente, o outro termo usado no Novo Testamento para os anciãos é epískopo. Epíscopo, ou Bispo, significa etimologicamente “vigia”, ou se preferir, “supervisor”. Um supervisor não faz a obra, mas supervisiona (ou audita) o que outros fazem, para garantir que o trabalho não se afaste dos objetivos definidos por quem o solicitou. Sua função é avisar quando algo estranho acontece. Uma função passiva.
E todas as igrejas com o tempo, deveriam ser “pastoradas” por um conjunto de presbíteros/bispos. Sem exceção. Era esta a orientação e a tradição dos apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo.

Quando lemos no Novo Testamento que algumas igrejas tinham presbíteros e outras não, é porque as cartas foram escritas em anos diferentes no primeiro século. Algumas igrejas eram mais novas e não tinham presbíteros ainda. Outras eram mais antigas e já contavam com presbíteros e diáconos. É importante perceber que nenhuma igreja tinha somente um presbítero-pastor, ou mesmo um dos presbíteros com autoridade superior aos demais. Só se tem notícia desse tipo de distorção de liderança cristã a partir do segundo século, ao ler os escritos dos chamados “pais da igreja” do segundo século (Inácio de Antioquia, Justino Mártir e outros). No primeiro século, ou seja, na Bíblia, as igrejas ou eram lideradas por um colegiado de presbíteros, ou diretamente pelos apóstolos, quando ainda imaturas.

Havia também os diáconos – homens igualmente experimentados na fé, cuja missão era coordenar e servir as Ceias do Senhor em suas igrejas, como garçons, bem como dar assistência aos necessitados.

Assim, a micro-estrutura organizacional das igrejas bíblicas era apenas os irmãos e irmãs, e dentre eles (nas igrejas mais antigas) os presbíteros e diáconos, todos num mesmo nível, porém com diferentes funções. Não havia hierarquia. O Senhor Jesus condenou claramente a hierarquia no meio da sua igreja, quando disse “Entre vós não será assim.” (Mateus 20:25-27). Ninguém representava a igreja sozinho, nem mesmo o colegiado de presbíteros, nem se este se juntasse com os apóstolos visitantes. Veja que a igreja toda tomou a decisão no concílio de Jerusalém. A igreja toda (os irmãos, as irmãs, os presbíteros e os apóstolos). Ninguém manda na igreja, a não ser o Cabeça – Jesus Cristo.

Então, quanto à estrutura organizacional, a igreja do Novo Testamento era não-hierárquica e não-institucional. Era orgânica. Abordamos também aqui o tipo de liderança exercida na igreja primitiva.

Marcio Rocha
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[1] Esta sigla “A12” é apenas uma brincadeira deste autor para significar o grupo dos 12 apóstolos. Ninguém pense que se está criando um novo método apostólico.
[2] Presbítero. Do grego presbítero, que significa “homem velho” ou ancião.
[3] Paulo orienta a Timóteo (1 Tim. 5.17) que recomende à igreja de Éfeso para que ela honre em dobro os presbíteros que ali se dedicavam especialmente ao ensino. Esta honra em dobro pode significar dar o sustento no todo ou em parte. A palavra traduzida como honra é a palavra Grega times, que significa mais amplamente “valor”.

A Organização da Igreja Primitiva (Macro-Organização)

As pequenas igrejas nas casas e a grande igreja da cidade

Em todas as cidades onde os seguidores de Cristo estabeleciam moradia no primeiro século, havia as pequenas igrejas nas casas de alguns irmãos (Gr. hh kat’ oikon eklesia); e o conjunto total das igrejas nas casas de uma cidade era a igreja cristã da cidade. Não há variação deste padrão no Novo Testamento. Quanto às igrejas se reunirem nas casas (oikos), basta olhar as seguintes referências: Atos 1:13; 2:2; 2:42; 2:46; 5:42; 7:48-50; 8:3; 12:12; 16:40; 20:20; 28:30; Romanos 16:3-5; 1 Coríntios 1:11; 14:26; 16:19; Colossenses 4:15; Filemom 1:1-2). Essas são referências diretas. Há outras indiretas, como 1 Cor. 1.16; 16.15 etc.

Quando Paulo escrevia a uma igreja (por exemplo aos Coríntios), ele estava escrevendo aos cristãos da cidade, portanto, a todos os santos que moravam em Corinto, e que compunham a igreja da cidade. Assim era com todas as cidades onde havia cristãos, sem exceção. Igrejas nas casas e a igreja da cidade. Esse era o padrão macro-organizacional.

Não havia divisões (denominações) cristãs em nenhuma cidade. Aliás, qualquer iniciativa neste sentido era tida como pecaminosa e era rigorosamente combatida pelos apóstolos. Divisões são originadas pelo pecado da vaidade: “Eu sou de Paulo, eu de Apolo...(1 Cor. 1.12). Cada cidade deveria ter apenas uma igreja: a igreja cristã da cidade, composta pelas pequenas igrejas nos lares daquela cidade.
Marcio Rocha

A Natureza ou Essência da Igreja

Quanto à natureza, as igrejas de hoje ou são institucionais ou não-institucionais (que chamaremos aqui de orgânicas).


A igreja institucional, como o próprio nome denota, é uma instituição. Descrevendo-a sinteticamente, podemos dizer que ela é uma pessoa jurídica, registrada nos órgãos estatais, composta por seus fundadores, e por outros associados, e tendo seu início marcado por meio de uma ata de fundação. Porque ela é uma instituição, possui obrigatoriamente um local fixo de reunião, ao qual chamam templo (ou inadequadamente de “igreja”). Possui um estatuto ou documento semelhante, que rege a instituição como sua lei. É bastante semelhante, em sua natureza (mas não no seu propósito), a uma organização não governamental sem fins econômicos. As pessoas entram efetivamente para a igreja institucional quando manifestam sua livre vontade e participam de seus rituais de iniciação, geralmente uma declaração pública de aceitação dos estatutos (doutrinas) da instituição e o batismo nas águas. Como ela é institucional, ela organiza um rol de membros. Além disso, possui funcionários e prestam serviços religiosos. Tem cargos, que são preenchidos por uma elite espiritual (clero), que detém certos privilégios, e o restante dos associados são tidos como cristãos comuns.

Já a igreja orgânica é mais como uma família. Entende-se a si mesma como um organismo vivo, espiritual. Não é fundada por homens, mas, como todo organismo vivo, nasce (de Deus). Não é uma pessoa jurídica. Não é uma organização (embora não seja desorganizada). A igreja orgânica é composta simplesmente de crentes que amam a Deus e resolvem caminhar juntos, compartilhando a vida, edificando-se e servindo-se mutuamente. Elas se reúnem principalmente nos lares dos seus membros. Nas igrejas orgânicas, não há estatuto; as regras são as da própria Bíblia. Não há um ritual de iniciação para que pessoas façam parte dela. Porém, para ser parte dessa família, a pessoa tem que ter nascido de novo (espiritualmente) e ter sido adotada por Deus como filho. Batismos são realizados quando um novo (ou antigo) convertido deseja se batizar. Não há um rol de membros. Nem é necessário, pois todos que são irmãos vivem juntos e se conhecem. Também como ocorre nas famílias saudáveis, as pessoas ajudam-se umas às outras nas igrejas orgânicas e não permitem que nenhum de seus membros passe necessidade.

Neste aspecto, como era a igreja do Novo Testamento (A igreja primitiva)? Era institucional ou orgânica?

Ela era registrada em algum órgão estatal (oficial)? Possuía alguma licença legal para funcionamento?

Não. Ela era muito mais como uma grande família, sem qualquer licença ou vínculo com o Estado. Na realidade, os apóstolos recomendavam que se respeitassem as autoridades mundanas e as suas leis (Rom. 13.1; Tito 3.1), naquilo que não entrassem em choque coma Palavra de Deus, mas, a igreja primitiva era um movimento não institucionalizado.

Alguém poderia aqui argumentar que naquela época não havia este tipo de registro cartorial, portanto, é inadequado comparar a igreja primitiva com a de hoje, neste aspecto.

Certamente não existiam cartórios para registro de associações ou organizações no primeiro século. Porém, será que não existiam corporações organizadas ou reconhecidas pelo império, com suas próprias regras e estatutos? Existiam sim. Essa é a opinião abalizada dos historiadores e dos eruditos do Novo Testamento. William L. Coleman, em seu livro “Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos” (p. 140), nos diz: “Nos dias de Jesus, a sociedade já era constituída de grupos rurais e urbanos.” E ainda:

“Uma sociedade urbana exigia muitos tipos de serviços, e indivíduos com todo tipo de habilidade profissional. Numa sociedade complexa, as necessidades básicas de um trabalhador eram muitas, e isso os levou a organizar corporações. Já no tempo em que Cristo viveu na terra, havia em vários lugares corporações de trabalhadores bem organizadas e bem conceituadas.”

Wayne A. Meeks, da Universidade Yale, também afirma que havia diversos tipos de corporações no primeiro século. Em seu livro “The First Urban Christians” (Os primeiros Cristãos Urbanos), ele descreve um quadro social do primeiro e do segundo séculos onde existiam diversas organizações institucionalizadas, associações formalizadas, não somente profissionais, mas também sociais.

“Bem no início, o Império Romano testemunhou um crescimento luxurioso de clubes, entidades e associações de toda sorte.” (MEEKS, Wayne. The First Urban Christians - Os primeiros Cristãos Urbanos. Londres: Yale Uinversity Press, 1983. P. 77)

Meeks afirma que nos tempos paulinos havia associações diversas, além das sinagogas judaicas e das escolas retóricas/filosóficas. Interessava ao império controlar todos os movimentos, portanto ele apoiava a formalização dessas organizações. Movimentos não institucionalizados eram muito mal vistos pelo Império Romano. Aliás, os estados modernos herdaram essa mesma atitude.

Essas citações nos mostram que, embora não existissem cartórios, existiam organizações formalizadas nos tempos da igreja primitiva. O escopo deste artigo não nos permite acrescentar outras citações, contudo, uma coisa fica certa: havia instituições no primeiro século. A igreja primitiva, portanto, era orgânica, não por falta de modelos institucionais em sua época. Ao contrário, ela era orgânica por opção, ou melhor, por natureza.

A igreja não começou com uma ata de fundação ou documento semelhante, elaborado por homens. Nasceu com um derramar do Espírito Santo nos fiéis, que estavam em oração, em uma casa (Atos 2.2). Não possuía funcionários. Sustentava os apóstolos (que eram plantadores de igrejas, missionários itinerantes), mas não empregava nenhum funcionário local. Era uma família de irmãos e irmãs, cujo pai era o Senhor Jesus.

“Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a se reunir no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” (Atos 2.42-47. NVI)

Não é esta acima a descrição de uma típica família?

Assim, a igreja do Novo Testamento, a igreja bíblica, era orgânica. O modelo bíblico era não-institucional. A igreja institucional não é um modelo bíblico. Ela pode ser uma boa organização, possuir uma boa estrutura, muitas outras qualidades, mas, quanto à sua natureza, este modelo não se encontra na Bíblia. Não é bíblico.

A história nos mostra que a igreja cristã começou a se tornar institucional a partir do Imperador Constantino (313 d.C.), o qual não oficializou o Cristianismo como religião de Roma (quem o fez foi Teodósio, o imperador seguinte, em cerca de 360 d.C.), mas, Constantino cessou a perseguição aos cristãos e os apoiou financeiramente, inclusive construindo os seus primeiros templos de tijolos. Aí começou a grande decadência da igreja. Os interesses de Constantino e Teodósio na igreja cristã não eram nada “cristãos”. Eram políticos, imperiais, movidos pela sede de poder e controle. Constantino só foi batizado em seu leito de morte, pois levava uma vida de luxuria e imoralidade. Os imperadores passaram a controlar os cargos de liderança das igrejas, o que levou na idade média a igreja a até conceder esses cargos mediante pagamento em dinheiro ou em troca de outras riquezas.

O modelo encontrado no Novo Testamento, o modelo bíblico de igreja, no tocante à natureza da igreja, é o modelo orgânico das igrejas nos lares.

Marcio Rocha