quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A Liderança na Igreja Primitiva



Não há dúvida de que os primeiros líderes cristãos foram os apóstolos. Quem eram eles? Os primeiros apóstolos foram os onze discípulos mais chegados de Jesus, e depois, Matias integrou o grupo “A12[1]”. Eles atuaram primeiro em Jerusalém e depois muitos deles saíram a pregar o Evangelho e implantar igrejas em outros países do mundo antigo. Outros se somaram aos doze, de sorte que no Novo Testamento encontramos muitas referências a outros homens como sendo também apóstolos (Paulo, Apolo, Barnabé, Tiago etc.).

Eles eram, em suas missões, tais quais os missionários de hoje. Obreiros viajantes, itinerantes, sem estarem estabelecidos em uma só cidade. Ficavam em uma cidade somente o tempo necessário para plantar algumas igrejas, nas casas de “homens de paz”. Os apóstolos eram enviados pela igreja onde se congregavam inicialmente, e plantavam igrejas aonde eram enviados.

Somente a igreja em Jerusalém e a de Antioquia (na Síria) começaram sem o trabalho de um apóstolo. Jerusalém, porque a igreja ali começou quando o Espírito Santo desceu sobre os irmãos. Antioquia, porque a igreja ali foi formada pelos que fugiram de Jerusalém e lá se estabeleceram. Paulo era da igreja de Antioquia e depois se tornou apóstolo, enviado aos gentios (não judeus), juntamente com Barnabé.

Depois que uma igreja estava iniciada, com poucos meses, o apóstolo deixava aquela cidade e partia para outra. Corinto foi a igreja que deu mais trabalho a Paulo em sua implantação e ali ele demorou dezoito meses. Só dezoito meses numa igreja complicada como aquela? Sim. E com quem ficava a igreja recém fundada? É exatamente aqui onde muitas pessoas pensam equivocadamente que as igrejas eram diferentes, nas diferentes cidades, quanto à organização, especialmente quanto à liderança, pois encontramos nas cartas neo-testamentárias que algumas igrejas tinham presbíteros (como a de Éfeso), outras eram diretamente dirigidas pelos apóstolos, e outras pelos companheiros apostólicos de Paulo (Silas, Timóteo, Tito e outros, chamados equivocadamente de “pastores”).

Porém, o fato é que todas as igrejas tinham a mesmo tipo de liderança nos momentos certos de suas vidas. Em outras palavras, todas (com exceção de Jerusalém e Antioquia) foram fundadas por apóstolos. Todas eram orientadas no início por cartas e eventuais visitas dos seus fundadores – apóstolos. Em todas elas, os presbíteros
[2] só surgiam depois de alguns anos. Os presbíteros eram homens locais, maduros, tanto na idade, quanto no Evangelho. Esses não eram sustentados pela igreja da cidade, a não ser, talvez, com raras exceções[3].

Como poderia haver anciãos em uma igreja que tinha apenas poucos meses de vida? Impossível. Aí muitos dizem: “por isso, nessas igrejas onde não havia ainda presbíteros, eram indicados pastores ‘de fora’ para liderá-la.” Errado. Nas igrejas onde ainda não havia surgido um colegiado de presbíteros, os apóstolos cuidavam diretamente das igrejas, como já dissemos, por meio de cartas e com eventuais visitas. O que você acha que as cartas apostólicas estão fazendo no Novo Testamento? Elas contém a orientação dada para certas igrejas, de seus apóstolos plantadores. Essas orientações inspiradas foram guardadas como Escritura e nos abençoam ainda hoje.
Mas e Timóteo e Tito, não eram pastores? Não. Eles eram companheiros apostólicos de Paulo. Jovens trainees (ou estagiários) de Paulo. Futuros apóstolos. Eles não eram homens locais, estabelecidos em uma cidade. Nem sequer eram maduros na idade. Eram também viajantes, itinerantes como Paulo. Aliás, não existe no Novo Testamento essa figura de pastor (ou padre) como a conhecemos hoje, um funcionário local de uma igreja, com sustento integral e autoridade eclesiástica especial sobre os membros da igreja. As cartas de Paulo a Timóteo e a Tito trataram de orientar a esses jovens futuros apóstolos sobre as visitas eventuais que eles fariam em algumas igrejas (Timóteo a Éfeso e Tito a Creta), para cuidar delas enquanto não havia surgido nelas os presbíteros-pastores. Uma típica missão apostólica.

Então, com quem ficava a igreja recém fundada? Com os próprios irmãos, com Jesus Cristo como Cabeça e Pastor Supremo, com o Espírito Santo e com a assembléia, como Corpo de Cristo, tomando as decisões. Mas o apóstolo fundador da igreja não a abandonava. Como já foi dito, ele a visitava eventualmente e escrevia cartas para orientá-la enquanto não apareciam os “anciãos” daquela cidade.

Quando surgiam os presbíteros, o pastoreio das igrejas (nas casas) de uma cidade era confiado a eles. A todos eles. Quando surgiram presbíteros em Éfeso, Paulo os chamou e orientou (Atos 20.17-22). Paulo os responsabilizou totalmente pelo pastoreio das igrejas em Éfeso. Disse ainda que jamais iria lá novamente. Note que não houve menção ou destaque de nenhum deles como “o pastor” ou “pastor-presidente” ou “presbítero-regente”. Todos os anciãos de lá eram os pastores da igreja da cidade. Um colegiado, não “um pastor”. Um colegiado sem presidente.

É importante ressaltar que pastorear é cuidar, e não mandar. É essencialmente orientar e vigiar para que as ovelhas não se percam e o inimigo não as destrua. Pastorear é essencialmente ensinar, vigiar e cuidar. Funções que não trazem em si nenhum aspecto de autoridade oficial ou cargo, que requeira obediência legal, semelhante às autoridades do mundo. Se refletirmos nas atividades de um pastor de ovelhas, usado no Novo Testamento como metáfora do trabalho dos presbíteros, entenderemos melhor o que eles são. No interior do estado do Ceará é falado o verbo “pastorar”. Obviamente, percebe-se que é uma pronúncia errada do verbo pastorear. Os meninos que vigiam carros estacionados nas ruas pedem aos donos para “pastorar” os seus veículos. Em outras palavras, eles pedem para vigiar os veículos, em troca de alguns centavos. E o que eles fazem? Nada. Só olham para que ninguém mexa ou roube os carros de seus “patrões”. A simples presença deles inibe os ladrões. Pastorear é uma função e não um cargo. E é uma função muito mais passiva do que ativa. Interessantemente, o outro termo usado no Novo Testamento para os anciãos é epískopo. Epíscopo, ou Bispo, significa etimologicamente “vigia”, ou se preferir, “supervisor”. Um supervisor não faz a obra, mas supervisiona (ou audita) o que outros fazem, para garantir que o trabalho não se afaste dos objetivos definidos por quem o solicitou. Sua função é avisar quando algo estranho acontece. Uma função passiva.
E todas as igrejas com o tempo, deveriam ser “pastoradas” por um conjunto de presbíteros/bispos. Sem exceção. Era esta a orientação e a tradição dos apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo.

Quando lemos no Novo Testamento que algumas igrejas tinham presbíteros e outras não, é porque as cartas foram escritas em anos diferentes no primeiro século. Algumas igrejas eram mais novas e não tinham presbíteros ainda. Outras eram mais antigas e já contavam com presbíteros e diáconos. É importante perceber que nenhuma igreja tinha somente um presbítero-pastor, ou mesmo um dos presbíteros com autoridade superior aos demais. Só se tem notícia desse tipo de distorção de liderança cristã a partir do segundo século, ao ler os escritos dos chamados “pais da igreja” do segundo século (Inácio de Antioquia, Justino Mártir e outros). No primeiro século, ou seja, na Bíblia, as igrejas ou eram lideradas por um colegiado de presbíteros, ou diretamente pelos apóstolos, quando ainda imaturas.

Havia também os diáconos – homens igualmente experimentados na fé, cuja missão era coordenar e servir as Ceias do Senhor em suas igrejas, como garçons, bem como dar assistência aos necessitados.

Assim, a micro-estrutura organizacional das igrejas bíblicas era apenas os irmãos e irmãs, e dentre eles (nas igrejas mais antigas) os presbíteros e diáconos, todos num mesmo nível, porém com diferentes funções. Não havia hierarquia. O Senhor Jesus condenou claramente a hierarquia no meio da sua igreja, quando disse “Entre vós não será assim.” (Mateus 20:25-27). Ninguém representava a igreja sozinho, nem mesmo o colegiado de presbíteros, nem se este se juntasse com os apóstolos visitantes. Veja que a igreja toda tomou a decisão no concílio de Jerusalém. A igreja toda (os irmãos, as irmãs, os presbíteros e os apóstolos). Ninguém manda na igreja, a não ser o Cabeça – Jesus Cristo.

Então, quanto à estrutura organizacional, a igreja do Novo Testamento era não-hierárquica e não-institucional. Era orgânica. Abordamos também aqui o tipo de liderança exercida na igreja primitiva.

Marcio Rocha
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[1] Esta sigla “A12” é apenas uma brincadeira deste autor para significar o grupo dos 12 apóstolos. Ninguém pense que se está criando um novo método apostólico.
[2] Presbítero. Do grego presbítero, que significa “homem velho” ou ancião.
[3] Paulo orienta a Timóteo (1 Tim. 5.17) que recomende à igreja de Éfeso para que ela honre em dobro os presbíteros que ali se dedicavam especialmente ao ensino. Esta honra em dobro pode significar dar o sustento no todo ou em parte. A palavra traduzida como honra é a palavra Grega times, que significa mais amplamente “valor”.

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